Por Daniela Matos (*)
Nas últimas semanas, uma série de articulações por meio de manifestos e atos vem sendo construída, com chamadas em defesa da vida, da democracia e de direitos sociais.
Os mais citados são o “Manifesto Estamos Juntos” e o ato virtual realizado na sexta-feira, dia 26 de junho passado, do movimento “Direitos Já!”
O “Estamos Juntos” reivindica representar os 70% da população que não apoia o governo do descalabro. Apesar disso, não faz menção à saída do presidente eleito de forma fraudulenta. Foi assinado por diversos políticos, artistas, intelectuais e personalidades públicas, como Fernando Haddad, Manuela Ávila, Guilherme Boulos, Fernando Henrique Cardoso, Caetano Veloso e Camila Pitanga.
Já o ato virtual em defesa da democracia, é uma resposta às manifestações em favor do fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal e de uma intervenção militar, e foi organizado pelo sociólogo Fernando Guimarães, ex-tucano, expulso do PSDB em 2019.
O ato contou com a participação de Fernando Haddad, Guilherme Boulos, Ciro Gomes, Marina Silva, Alckmin, Marta Suplicy, Luciano Huck, entre outras personalidades.
Este ato em defesa dos direitos, ocorreu no dia seguinte à votação do Projeto de Lei 4162/2019 no Senado, que define o novo marco legal do saneamento básico no Brasil e, ao fim e ao cabo, facilita a possibilidade de privatização dos serviços de água e saneamento. Note-se que o PT foi o único partido a votar contrário ao projeto.
Sim, um ato organizado por um movimento que é, teoricamente, fundado em defesa de direitos, reuniu senadores que votaram a favor e personalidades que apoiam o projeto citado.
Pois bem, o que leva personalidades com posições ideológicas tão díspares a participarem das mesmas iniciativas?
Haverá aqueles que dirão tratar-se de iniciativas que visam desaguar numa Frente Ampla. Mas Frente em defesa do que?
Não pode ser em defesa dos direitos sociais e trabalhistas, obviamente. Não bastassem o apoio ao projeto privatizador citado acima, dezenas de participantes apoiaram a contrarreforma trabalhista, a previdenciária, e diversos projetos que retiraram direitos desde o golpe de 2016.
Não se trata, também, de uma Frente que atue pra tirar do governo Bolsonaro e sua gangue pois, de novo, várias das personalidades aderentes a essas articulações já deixaram claro que não apoiam nem mesmo os pedidos de impeachment já apresentados na Câmara, quem dirá as ações que visam impugnar a chapa inteira.
Aparentemente, para esses atores políticos, todas as diatribes, afrontas, ataques e injúrias disparadas não são o bastante.
As falas misóginas, racistas, lgbtfóbicas, que tecem loas ao autoritarismo e à ditadura; os ataques à cultura e às universidades (apesar de adorarem falsificar títulos acadêmicos) servem para uma coisa apenas: deixar a direita limpinha se sentindo na obrigação de se afastar dessa turma que mistura a extrema direita de coturno, com o neoconservadorismo internacional, terraplanismo, desinfetante e cloroquina para tratar COVID19, por exemplo.
Mas, afinal, o que é a direita limpinha? Ora, essa massa cheirosa, termo elogioso cunhado pela jornalista Eliane Cantanhede ao falar de um evento realizado pelo PSDB, se opõe àquela outra massa popular, representada pelo PT.
A direita limpinha é ilustrada, estudada, moderna ao defender o estado mínimo e as privatizações. Chega até a acenar de lado, tímida, em defesa das liberdades civis e individuais.
E esse é o grande problema dessa direita cheirosa na atual conjuntura, tão adversa. Golpear o governo Bozo com uma mão, em defesa das “Instituições da República”, e com a outra mão, seguir aplaudindo e apoiando todas as ações para desconstruir as políticas públicas em defesa dos pobres e mais frágeis economicamente, das contrarreformas que tiram direitos, e da diminuição do Estado.
Têm razão Lula e Dilma, e amplos setores da esquerda, que se negaram a apoiar essas ações, que não visam dar fim ao governo Bozo/Mourão, e se negaram a participar do convescote do qual participam todos aqueles que apoiaram o golpe de 2016, a prisão de Lula e deram uma forcinha pra eleição dessa chapa que navegou no mar da fraude eleitoral, turbinada pelas fake news.
Lamentavelmente, no âmbito da esquerda tem gente que ainda nutre fome de comer canapés nos salões da burguesia.
O que de fato essa turma está fazendo é ajudar a passar um verniz progressista nessa direita letrada. Essa direita que não faz oposição de verdade ao governo Bozo, porque concorda, apoia e é entusiasta do programa ultraliberal que vem sendo aplicado, e sonha em herdar uma parte dos votos que a extrema direita obteve no segundo turno das eleições de 2018.
(*) Daniela Matos é servidora pública e dirigente nacional da AE.