A síntese lapidar de Gabriel Galípolo

Por Valter Pomar (*)

Gabriel Galípolo e Fernando Haddad

Quero recomendar que todos leiam a entrevista concedida por Gabriel Galípolo, secretário-executivo do ministério da Fazenda, ao infomoney.

A entrevista está aqui: https://www.infomoney.com.br/politica/a-democracia-deve-caber-na-regra-economica-diz-galipolo-sobre-marco-fiscal/

Também copiei e colei a íntegra no final.

Como em outras entrevistas do gênero, há frases que podem ser interpretadas de diferentes maneiras.

Assim como há contorcionismos que fariam sucesso no Cirque du Soleil, tipo “anticiclicidade por reflexividade”.

Mas no meio dos floreios, vem a estocada fatal: “A democracia deve caber na regra econômica”.

E quem nos informa qual seria a “regra”? O “economista”, claro.

É o economista, segundo Galípolo, quem teria a missão de trazer “à luz do sol” quais são “as consequências de cada uma das escolhas da sociedade”.

A “sociedade”, segundo esta interpretação, não teria o discernimento necessário.

Talvez por pensar assim, Galipolo encerra o raciocínio com o seguinte ta-ti-bi-ta-ti: “Se eu quiser permanentemente ter um gasto que cresce acima da arrecadação, isso claramente vai ter um impacto sobre o custo de financiamento do Estado, a trajetória da relação dívida/PIB. E o inverso também é verdadeiro”.

Se for esta a “filosofia” que prevaleceu na elaboração do “novo arcabouço fiscal”, vamos ter um biênio muito difícil pela frente.

E, nesse caso, os culpados não estarão apenas no Banco Central.

(*) Valter Pomar é professor  e membro do diretório nacional do PT

***

SEGUE A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) construiu um nível de consenso “muito elevado” e está “muito próximo” de apresentar à sociedade o projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal, segundo o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo.

Em evento organizado pela consultoria de risco político Arko Advice, Galípolo evitou comentar se as novas regras que deverão substituir o teto de gastos serão apresentados nesta semana, mas disse que o adiamento da viagem oficial à China deve facilitar os últimos ajustes.

“A decisão, em última instância, é óbvio, é do presidente da República sobre quando vai ser anunciado o arcabouço. O adiamento em função da não ocorrência da viagem nos permite fazer algumas reuniões com a presença do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) − o que facilita muito o processo”, afirmou.

“Mas estou muito otimista. O nível de consenso que já existe dentro do governo é muito elevado”, disse em painel realizado nesta segunda-feira (27).

Segundo ele, o texto também teve boa receptividade entre líderes do governo nas casas legislativas e os próprios presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A ideia é que, antes de ser anunciado oficialmente, o projeto também seja levado a lideranças das bancadas no Congresso Nacional.

“Estamos muito próximo de o arcabouço fiscal vir à luz do sol”, disse o “número 2” da Fazenda.

No evento, Galípolo também criticou o que chamou de interdição do debate econômico e de uma espécie de imposição técnica sobre decisões políticas que deveriam caber à sociedade. Ele também repetiu os objetivos da equipe econômica com a construção de uma regra desafiadora, mas crível.

“Uma coisa é a regra, outra coisa são os parâmetros. A ideia de ser desafiador, porém crível, está muito associada aos parâmetros. Você precisa demonstrar ao mercado e à sociedade seu comprometimento em buscar o resultado fiscal, que vai permitir uma trajetória mais bem comportada da relação dívida/PIB, mas simultaneamente não passar uma relação que vai a cada momento ter um regime que funciona por exceção, como assistimos”, pontuou.

Ao analisar a experiência brasileira com regras fiscais, o economista destacou críticas ao teto de gastos e à meta de primário por serem excessivamente pró-cíclicas e defendeu a manutenção de despesas em momentos de crise de arrecadação e um freio à expansão de gastos em situações de bonança.

“É difícil economista ter algum tipo de consenso em alguma coisa, mas, se existe um tema que tem consenso na literatura, é que o orçamento público deve suavizar os ciclos econômicos, e não acentuá-los”, disse. “A regra de oferecer alguma previsibilidade sobre o gasto oferece, de uma maneira inteligente, esse tipo de anticiclicidade por reflexividade. Como você não vai gastar mais quando está crescendo nem cortar despesas quando está caindo, ela fica contracíclica jogando parada”.

Para ele, o teto de gastos, ao limitar a evolução de despesas de um ano ao comportamento da inflação no exercício anterior, impôs uma visão política sobre o tamanho do Estado na economia e engessou na Constituição esse entendimento.

“A visão de como deve se comportar o gasto, o resultado primário e a relação dívida/PIB é algo que deve ser determinado pelo governo que foi eleito junto com os congressistas que foram eleitos”, argumentou.

“A democracia deve caber na regra econômica. E o papel do economista é trazer à luz do sol quais são as consequências de cada uma das escolhas da sociedade. Se eu quiser permanentemente ter um gasto que cresce acima da arrecadação, isso claramente vai ter um impacto sobre o custo de financiamento do Estado, a trajetória da relação dívida/PIB. E o inverso também é verdadeiro”, disse.

Na avaliação de Galípolo, uma regra fiscal tem que ser capaz de, de um lado, “abarcar os desejos da sociedade do ponto de vista democrático”, e, de outro, “debater parâmetros que possam oferecer uma evolução da trajetória da relação dívida/PIB bem comportada para os agentes do mercado”.

Durante o evento, o “número 2 da Fazenda” disse que a equipe econômica tem focado em garantir a recomposição da arrecadação para níveis tradicionais registrados pelo país e enfatizou que em nenhum momento foi discutida elevação de carga tributária.

“Muitas vezes se diz que se deveria estar focando mais no corte de despesas ou no ajuste em despesas. Isso não é simples de ser feito quando estou fazendo uma recomposição de arrecadação, porque eu não tenho o desatendimento do resultado primário. Então, a razão para o contingenciamento não é trivial. Se eu tenho uma folga sobre o resultado primário, qual é a razão para contingenciar? A regra fiscal hoje cria uma obstáculo operacional inclusive para contingenciamento”, disse.

“Do outro lado também, quando assistimos muita gente dizer que é preciso fazer uma política fiscal expansionista, gastar mais. Também não é simples, porque eu preciso passar uma nova emenda constitucional. O gasto foi contratado pela PEC. Então, há uma rigidez do ponto de vista do gasto, pela regra e pela forma como ela foi combinada, que muitas vezes não é perfeitamente compreendida. Por isso que a maior parte do processo está sendo feita com buscas de recomposição de receita”, completou.

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