Como deve se posicionar o campo da esquerda diante da crise entre Bolsonaro e Rede Globo

Por Varlindo Nascimento (*)

A política nem sempre é clara. Aliás, quase nada na política se apresenta de forma clara. Toda avaliação deve partir do pressuposto de que o que emerge esconde uma série de verdades não ditas, de interesses preservados, de cartas deixadas na manga.

Nos últimos dias os embates diários entre o governo Bolsonaro e a Rede Globo tem levado muita gente no campo da esquerda a fazer uma avaliação maniqueísta dessa crise. Ou seja, se Bolsonaro representa tudo de pior que nos afeta, logo, quem se posiciona contra Bolsonaro é nosso aliado. Na verdade, essa é uma avaliação equivocada. Nessa disputa existe uma série de nuances, encontros e desencontros entre as pautas, mas, de fundo, ambos trabalham em conjunto contra os interesses da classe trabalhadora.

Lembremos que Bolsonaro foi eleito, de certa forma, livre de compromissos com a grande mídia corporativa. A gestação desse monstrengo foi resultado exatamente de uma tentativa de desmantelamento moral do Partido dos Trabalhadores, o que acabou afetando por tabela todas as instituições e partidos da política tradicional. Como numa quimioterapia a tentativa de matar as células cancerígenas acaba afetando também as sadias, debilitado o corpo e facilitando a ação de agentes oportunistas. Foi nesse vácuo que o bolsonarismo se tornou uma corrente política eleitoralmente viável. Para essa mídia, dentre elas a Globo, a eleição de Bolsonaro se tornou opção a partir do momento em que ficou claro que as candidaturas dos partidos tradicionais da direita não decolariam. Dessa maneira, o candidato da extrema direita ganhou “gratuitamente” apoio mútuo desse setor.

O que tem de mais intrigante nesse jogo e que mais confunde as nossas interpretações está no fato da extrema direita ter se apropriado de uma narrativa que era nossa. Quando chamam a Globo de “Globolixo”, por exemplo, eles reverberam algo em comum com nosso discurso, e que, de fato, corresponde à realidade. Em paralelo a isso o governo Bolsonaro capitaliza as duas maiores rivais da Globo na TV aberta. SBT e Record funcionam hoje como canais de propaganda do governo e do “clã imperial”.

Esse quadro leva a emissora carioca para um campo oposto, não ao governo como um todo, mas em relação ao que a cultura bolsonarista pode lhe trazer de prejuízo a médio e longo prazo (renovação da concessão). Esse fato fica claro nas paródias dos humorísticos da emissora que estereotipam a figura do presidente e de sua família, reforçando seus piores traços (não que haja neles algum traço positivo).

Ao mesmo tempo em que a Globo alfineta Bolsonaro, como no caso do seu possível envolvimento no caso Mariele, ela endossa e avaliza as reformas e a pauta econômica do governo, que é o que nos afeta de forma mais grave. Dessa forma, não há como olharmos a emissora dos Marinho como aliada, muito pelo contrário. As suas divergências com o bolsonarismo devem ser capitalizadas a nosso favor no que for possível, mas sem perder de vista que ambos os lados são inimigos da classe trabalhadora e dos setores democráticos e progressistas.

Sendo assim, devemos manter um comportamento crítico a ambos, Globo e bolsonarismo, sabendo publicamente diferenciar as nossas razões das deles. Nossos motivos são muito maiores e legítimos, completamente diferentes da cortina de fumaça levantada pelo protofascismo bolsonarista.

(*) Varlindo Nascimento é militante petista em Recife- PE

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