O Governo Bolsonaro vai se transmutando na busca pela sobrevivência

Por Varlindo Nascimento (*)

Oscar Wilde foi um escritor e dramaturgo nascido na Irlanda e que teve como obra mais aclamada o romance “O Retrato de Dorian Gray”. Wilde era um dândi, espécie de boêmio de alta classe na Inglaterra do século XIX, e sua obra é, no fundo, um retrato da hipocrisia e perversidade presentes na sociedade da qual pertencia e vivia.

O personagem título, Dorian Gray, é um jovem belo e hedonista que tem seu retrato pintado por um artista. Dorian, um narcisista, acaba fazendo um pacto para que nunca envelheça. Em contrapartida o retrato se tornará a verdadeira expressão do seu interior, absorvendo e representando em sua face toda a perversidade praticada por ele.

No mundo real, Jair Bolsonaro foi eleito presidente sustentando um discurso antissistêmico, no qual representaria uma nova alternativa a um regime político devastado pela corrupção, tanto da direita tradicional, quando da esquerda “comunista”.

Durante a campanha, e logo depois de eleito, suas bandeiras eram a redução do número de ministérios e a indicação de ministros a partir de critérios “estritamente técnicos”, sem levar em conta indicações políticas e sem se preocupar com a criação de uma coalizão governista. Sua receita era governar “com o povo”.

Obviamente que tudo isso era uma farsa, e uma breve análise do seu histórico parlamentar de quase três décadas já era suficiente para desconstruí-la. Mas é inegável que Bolsonaro foi eleito, em parte, pela degradação e criminalização pública e cotidiana da política. Nesses casos é natural dar-se à luz a um “Messias”.

O passar dos dias vem trazendo à tona elementos que ameaçam expor a verdadeira face do Capitão moralista e de sua bela família cristã. Diante disso (aí vem o motivo da comparação), ele, tal qual o personagem fictício, faz de tudo para esconder seu retrato, impedido que se revele o que há de verdade por trás daquele discurso de honestidade e conservadorismo cristão.

No último final de semana um ex-aliado e suplente do seu filho Flávio no Senado denunciou a intervenção direta da Polícia Federal na eleição presidencial de 2018, quando reteve o andamento de uma investigação criminal que afetaria diretamente o clã Bolsonaro, com o intuito de não influir negativamente na imagem do então candidato Jair Messias no segundo turno contra Fernando Haddad. Mais uma clara e notória fraude perpetrada por dentro das estruturas do Estado que reforçam nosso argumento sobre a ilegitimidade do processo eleitoral de 2018, principalmente se considerarmos que o delegado da operação que deu origem a tal processo era o mesmo Alexandre Ramagem, recentemente indicado por Bolsonaro a assumir a superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Fato que desencadeou o rompimento litigioso do casamento político entre o Capitão e o ex-juiz Sérgio Moro, maior expoente do lavajatismo.

Diante da imposição dos fatos Bolsonaro tem se rendido à realidade que o cerca. Para se sustentar no governo se defende de duas formas, entregando cargos aos borbotões aos militares (eles já ocupam quase metade dos ministérios e cerca de 3 mil cargos nos primeiros escalões do governo), ao mesmo tempo em que fecha acordos com os partidos fisiológicos do centrão, loteando a outra parte dos ministérios e o controle de estatais e órgãos públicos. Assim ele visa garantir o apoio do partido armado e o número de votos no congresso para se livrar de um eventual processo de impeachment, se caso Rodrigo Maia resolver admitir ao menos um dos já cerca de trinta pedidos protocolados.

A cenário para o presidente não é fácil, principalmente se considerarmos que para parte da mesma burguesia o espantalho já não serve mais. É nítido que se constrói em paralelo alternativas para um bolsonarismo sem Bolsonaro, com todo cuidado para a que a esquerda não se aproveite do racha momentâneo da burguesia. Neste cenário, a única certeza é que o governo vai tomando uma feição cada vez mais compatível com sua realidade degenerada, como no retrato da obra literária, uma síntese entre autoritarismo militar, falso moralismo cristão e política de “baixo clero”.

(*) Varlindo Nascimento é militante petista em Recife, bacharel em Geografia, pós-graduado em Sindicalismo e Trabalho

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