Por Valter Pomar (*)
Recomenda-se a leitura do artigo “Os riscos do fosso entre a avenida e o palanque”.
O artigo é de Maria Cristina Fernandes.
Foi publicado no jornal Valor de ontem, 29 de fevereiro.
O artigo afirma ter existido um fosso entre o público e os oradores do ato da extrema-direita, realizado dia 25 de fevereiro.
No público do ato, 88% acreditariam que a eleição de 2022 foi fraudada.
Esta posição, segundo MCF, “não encontrou eco no palanque”.
É um jeito de interpretar as coisas, há outros, mas sigamos.
Outro dado que MCF informa é o de que apenas 11% da população consultada em todo o país acreditaria que a manifestação da extrema-direita “frearia as investigações em curso”.
88% e 11%.
A base radicalizada, mas sem maioria, vai se acomodar?
Segundo MCF, quem o fará será o “cerco do supremo aos militares”.
Neste ambiente, uma manifestação de esquerda seria como “um fósforo num ambiente propício à combustão”.
Como já disse alguém, não vamos cair em provocação!
E deixemos o “dispositivo do Xandão” cuidar dos militares!
A esse respeito, ler aqui: Valter Pomar: “Não vamos cair em provocação!”
Existe outro jeito de ver as coisas.
O ato do dia 25/2 foi um movimento tático.
Um aspecto central deste movimento é lançar a palavra de ordem da anistia.
O sentido geral é propor um acordo para a direita gourmet: virar a página do golpe!
Se a extrema-direita colher uma vitória importante nas urnas de 2024, o day after será a pressão para permitir que Bolsonaro concorra nas presidenciais.
A disputa se dará, simultaneamente, nas instituições, nas urnas e nas ruas.
Inclusive por isso, mas não somente, é um erro depositar todas as fichas no “cerco do supremo aos militares”.
Primeiro, porque o supremo já demonstrou ser suscetível à pressão das ruas. Especialmente de certas ruas.
Segundo, porque a decisão em última análise será do congresso.
Terceiro, porque povo na rua muda a chamada opinião pública.
Por tudo isso e algo mais, a crítica que MCF faz contra a manifestação convocada – para o dia 23 de março de 2024 – pela esquerda, na prática colabora para o sucesso do movimento pela anistia dos golpistas.
Pois, se prevalecer a opinião de MCF, só a extrema-direita estará fazendo pressão nas ruas.
Para sustentar seu ponto de vista, MCF busca apoio em Lula.
Lula falou sobre o ato do dia 23 de março? Não que eu saiba.
Mas talvez algum palaciano tenha feito chegar, na MCF, alguma versão a respeito.
Seja como for, MCF interpreta que a opinião de Lula, sobre não “remoer”, seria um recado acerca dos “riscos que o cultivo desta efeméride em praça pública traz à conjuntura”.
Sobre remoer, ler aqui: Valter Pomar: Lula não quer “remoer”! Nem nós!!
É simplesmente chocante o raciocínio segundo o qual a extrema-direita golpista pode ir às ruas, mas a esquerda não deveria.
Mais chocante ainda é que certas pessoas não percebam ser este um dos motivos pelos quais a extrema-direita teria avançado tanto, nos últimos temos.
Como lembrou um octogenário combatente, faltaria “vontade de ter coragem”.
Mas quais seriam, segundo MCF, os “riscos” de fazer uma manifestação de esquerda?
O primeiro seria o de colocar menos gente na rua.
MCF afirma que uma pesquisa indicaria que a maior parte da população concorda com a posição de mérito da esquerda, acerca do cavernícola. Logo, o raciocínio parece ser o seguinte: somos a maioria, mas se colocarmos menos gente na rua estaremos nos apequenando. Não se considera a hipótese de que a passividade de um dos lados faça o outro avançar.
O segundo risco seria o de colocar uma polarização que “hoje não está presente”.
O raciocínio aqui parece ser o seguinte: o que a direita faz não seria polarizar, seria só marcar posição e, ademais, na defensiva. A polarização só apareceria se a esquerda reagir. Tipo “quando um não quer, dois não brigam”. Ou ainda: se não falarmos do monstro, o monstro some. Em termos militares é mais ou menos o seguinte: se o cara estiver fugindo, não vá atrás. E se ele voltar depois, reclame com a MCF.
O terceiro risco seria o da deturpação, nas redes sociais, dos propósitos da manifestação. O exemplo citado por MCF é o do “ele não”, realizado em 2018.
Sobre isto, dois comentários:
a) a máquina de fake news da direita opera, faça chuva, faça sol, com manifestação ou sem manifestação. Se o medo do que eles vão dizer passará a ser a nossa régua, melhor mudarmos de país;
b) a crença que foi o “ele não” que fez Bolsonaro passar à frente em 2018 tem a mesma consistência da crença que imputa ao desempenho de Lula, no último debate, a responsabilidade pela vitória de Collor em 1989.
Aliás, chega a ser divertido que alguém fale das “72 horas que mudaram a campanha” de 2018, como se a vitória do cavernícola tivesse dependido de um golpe de sorte, de um erro do adversário, como se não fosse resultado de um processo político e social com imensas raízes.
Este tipo de raciocínio tem a mesma lógica dos que acreditam que uma boa DR com Cunha teria evitado o golpe de 2016.
Seja como for, MCF está muito preocupada com o papel da IA na campanha. Sobre isso, ela diz que o governo não pode “delegar este combate inteiramente ao judiciário” e, “menos ainda, incitar a polarização”.
O que seria o governo “incitar a polarização”?
A esse respeito, aos que gostam de usar a palavra de Lula como argumento, lembro que ele disse, na entrevista citada por MCF, que Tarcísio e outros tinham mesmo que comparecer na manifestação de 25/2, afinal devem sua eleição ao cavernícola.
Lula lembrou, ainda, que os governadores ajudaram na campanha das Diretas Já.
Sendo assim, por qual motivo Lula não poderia estar numa manifestação em defesa da democracia??
MCF conclui seu artigo dizendo que “é bem verdade que o governo e o PT precisam de militância nas redes sociais, mas a polarização hoje desfavorece Lula. Não há alternativa senão a da conquista do centro e o desarme das trincheiras do bolsonarismo. E aponta medidas do governo que, no entender dela, seriam positivas porque constituiriam “a única saída para evitar a combustão”.
Embora tenha aparecido apenas no final e sem os devidos argumentos, esta é a ideia essencial de MCF: “a polarização hoje desfavorece Lula”, tudo dependeria da “conquista do centro” e do “desarme das trincheiras do bolsonarismo”.
Aceito este argumento, tudo dependeria da fidelidade democrática do Congresso e do STF.
Se estes faltarem, a conclusão lógica acabará sendo, mais cedo ou mais tarde, apoiar a anistia pretendida pelos moderados que falaram no palanque armado na Paulista.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT