Defender a retomada da indústria nacional como estratégia de soberania e desenvolvimento econômico e social (*)
Periférica e dependente dos centros dominantes desde o antigo sistema colonial até o atual imperialismo financeiro, a economia brasileira tem sido marcada pela tendência a manter no exterior o centro dinâmico da economia nacional e por um padrão de desenvolvimento que possui uma natureza limitada, não indo além de determinado ponto – sempre inferior às visíveis possibilidades e potencialidades do país – e reiterando periodicamente determinados problemas e entraves. Por isso, ao longo da história, experimentamos muitos períodos de crescimento, mas pouco desenvolvimento.
Entre 1930 e 1980, por um lado, o desenvolvimento industrial foi acompanhado de uma taxa de crescimento do PIB maior que a das décadas seguintes, marcadas pela desindustrialização, o que atesta a alta correlação positiva entre o valor adicionado da indústria de transformação e o produto das demais atividades econômicas. Por outro lado, a industrialização foi acompanhada pela persistência e muitas vezes pelo aprofundamento das desigualdades sociais e da concentração de renda, riqueza e poder, configurando um desenvolvimentismo conservador.
Mesmo nos períodos com medidas de proteção à indústria nacional e o fortalecimento do papel do Estado no desenvolvimento não foi enfrentada de conjunto a dominação imperialista e permaneceu restrito o mercado interno de consumo de massas, priorizando-se a produção industrial destinada ao consumo produtivo de empresas e do Estado e ao consumo de bens duráveis acessíveis apenas às camadas médias da sociedade.
Neste sentido, ainda que a desindustrialização entre 1980 e 2018 constitua o principal fator para a tendência de fraco crescimento no período, a mera retomada da indústria nacional como estratégia de desenvolvimento não significará mais que recuperar o desenvolvimentismo conservador, reiterando a condição periférica e dependente da economia brasileira, mesmo que industrializada.
O crescimento do investimento industrial entre 2003 e 2010 foi insuficiente, os ganhos de produtividade permaneceram distantes e aquém das necessidades sociais da população brasileira e da inserção soberana da economia nacional nos mercados internacionais – problema que não se resolveu com a política de constituir grandes oligopólios, chamados de “campeões nacionais”, pois o capital monopolista apresenta uma tendência à estagnação e à decomposição, não ao dinamismo.
Além disso, no curto prazo, a demanda dos demais setores econômicos estimula a produção e o investimento industriais. Assim, o aumento da demanda efetiva mediante a distribuição de renda e ampliação do mercado interno de massas contribui com o crescimento econômico. Mas no médio e longo prazo o sentido da causalidade é inverso: da indústria de transformação para as demais atividades econômicas, que passam a crescer mais que proporcionalmente ao crescimento industrial, confirmando o papel central da indústria como motor da economia.
Não por acaso, os países capitalistas mais poderosos são aqueles que possuem liderança industrial e tecnológica. Ainda que o crescimento da produtividade no longo prazo reduza o peso relativo da indústria na economia, não reduz sua liderança.
Do mesmo modo, a experiência histórica demonstra que, a depender da conjuntura, um ou outro setor da classe trabalhadora ganha maior importância política na luta de classes; mas, no longo prazo, o setor que se destaca é o operariado industrial – o que se deve, no fundamental, ao papel estratégico que a indústria joga no capitalismo.
A desindustrialização ocorrida desde os anos 1980 no Brasil resultou na redução do peso absoluto e relativo da indústria na economia brasileira, do tamanho e da influência do operariado industrial e, portanto, da força do conjunto da classe trabalhadora. Reverter este processo cria melhores condições objetivas para a luta pelos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora – melhoria que deve ser acompanhada da ampliação do nível de consciência, organização e mobilização do operariado industrial e do conjunto da classe.
Cabe à CUT desempenhar estas tarefas para que os trabalhadores e trabalhadoras acumulem forças e derrotem a agenda ultraneoliberal da coalizão reacionária que reforça a recessão, a desindustrialização, a primarização, a desnacionalização da economia, a dependência externa e a exploração predatória dos recursos naturais.
Mas este desafio deve ser encarado como o primeiro passo para reverter as tendências de longa duração que expressam características estruturais e historicamente consolidadas da economia. Superar o padrão de desenvolvimento limitado exige desbancar a dominação do imperialismo, o poder dos monopólios e a hegemonia do capital financeiro – lembrando que o capital industrial é sua parte constitutiva, não seu oposto.
A queda na taxa de lucro média das empresas não-financeiras a partir de 2010 foi acompanhada pelo aumento da taxa de crescimento de suas aplicações financeiras a partir de 2013. Na última década, enquanto a formação de capital fixo permaneceu baixa ou negativa na maior parte dos anos, cresceu a acumulação financeira na indústria de transformação, sobretudo em 2017 e 2018.
Em uma economia altamente financeirizada, as empresas industriais tendem a compensar a redução das receitas operacionais com ganhos financeiros, atestando a hegemonia do capital financeiro sobre as empresas industriais. É ilusória, portanto, a tese de que os setores ditos produtivos da burguesia brasileira poderiam estar interessados em uma aliança com a classe trabalhadora para superar o neoliberalismo e a financeirização da economia. Dada a natureza do capitalismo no Brasil e a postura dos capitalistas industriais, um novo ciclo de industrialização precisa ocorrer sob comando do Estado, garantindo a soberania nacional em áreas estratégicas, e articulado com um programa de reformas estruturais democrático-populares.
Neste sentido, qualquer política industrial voltada não apenas a recuperar níveis mais elevados de participação da indústria no PIB, mas também superar a dependência externa, combater a desigualdade social e preservar o meio ambiente deve ser acompanhada de uma reforma financeira que inclui medidas como: a lei antitruste do sistema financeiro e eliminação dos monopólios nacionais privados; a separação entre bancos comerciais e de investimento; a ampliação dos direitos operacionais de bancos municipais e cooperativos; o reestabelecimento do papel dos bancos públicos, especialmente o BNDES, como promotor dos investimentos produtivos e não das privatizações; o controle do Estado sobre os fluxos de capitais e as taxas de juros e de câmbio; a revisão da Taxa de Longo Prazo (TLP) para recuperar a oferta de crédito a taxas de juro mais baixas e de menor volatilidade; a tributação e regulação das remessas de capital das filiais para as matrizes estrangeiras das multinacionais. Neste sentido, a CUT deve contribuir para articular os sindicatos da indústria e do ramo financeiro e construir agendas e iniciativas comuns por esta reforma financeira.
Uma nova política industrial deve contribuir para resolver os problemas econômicos e sociais do país, reduzir as desigualdades e elevar os padrões de vida da população de forma ambientalmente sustentável e regionalmente equilibrada. São necessários, pois, grandes investimentos tanto em política energética e infraestrutura logística, de transporte e comunicações como, principalmente, em infraestrutura social como saneamento, acesso à água potável, energia elétrica, habitação, mobilidade e equipamentos sociais de saúde, educação, cultura, esporte e lazer.
Deve também buscar superar o predomínio dos investimentos em atividades de baixa intensidade tecnológica e atividades de serviços de menor complexidade, que tem postos de trabalho de menor qualidade e graus mais elevados de informalidade, estimulando investimentos em atividades intensivas em tecnologia, que demandam força de trabalho de maior qualificação e oferecem empregos melhores.
Porém, como tem aumentado a parcela importada de insumos e componentes mais elaborados e sofisticados em relação ao total aplicado na produção, diversos setores da indústria brasileira – com destaque para os segmentos de alta e média-alta tecnologia – estão ainda mais dependentes. Portanto, além das atividades já existentes que consomem, deve-se investir em novas atividades de pequeno e médio porte que produzam tais insumos e componentes, internalizando parte importante das cadeias de suprimento e contribuindo para adensar as cadeias produtivas de valor da indústria brasileira. Caso contrário, o mero aumento global dos investimentos nas atuais atividades de maior intensidade em tecnologia seria incapaz de evitar o aprofundamento da inserção subordinada do Brasil nas cadeias produtivas globais de valor no atual contexto da quarta revolução industrial.
Considerando que no país a maioria esmagadora das pesquisas científicas e inovações tecnológicas aplicáveis à produção são desenvolvidas nas universidades públicas e não em centros de pesquisa da iniciativa privada, uma nova política industrial deve incluir a ampliação de investimentos públicos no ensino técnico e superior, nas atividades de pesquisa e projetos de extensão direcionados prioritariamente ao atendimento das necessidades individuais e sociais presentes e futuras da população brasileira. Ademais, aliada a um projeto de educação universal e de qualidade, será indispensável desenvolver programas de qualificação profissional de forma continuada que acompanhem os novos paradigmas tecnológicos.
(*) contribuição da Articulação de Esquerda ao 13º Concut