Ricardo Coutinho e o PT – débitos ou lições?

Por David Soares de Souza (*)

 

A pré-candidatura do ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) à Prefeitura Municipal de João Pessoa/PB, chamou atenção após a intervenção da Direção Nacional do Partido dos Trabalhadores em João Pessoa para levar o apoio do PT ao PSB, desfazendo a histórica unidade partidária, construída seguindo as orientações do próprio partido. Ricardo Coutinho decidiu ser candidato na última hora, depois de propor aliança com o PV do prefeito Luciano Cartaxo, que já foi do PT e do PSD, de 2015 até hoje.

A trajetória militante de Ricardo Coutinho começou no movimento estudantil no Diretório Acadêmico do curso de Farmácia na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Em seguida, ingressa no movimento sindical já como servidor do Hospital Universitário Lauro Wanderley, em João Pessoa. Participou da direção do sindicato dos servidores da universidade, foi fundador do SindSaúde e do Setorial de Saúde da Central Única dos Trabalhadores (CUT) na Paraíba.

Filiado ao Partido dos Trabalhadores durante todo este processo, foi eleito vereador na capital do estado e reeleito em 1996, com a maior votação da história da cidade naquele pleito, com 6.917 votos. Em 1998, Ricardo Coutinho é eleito deputado estadual e reeleito, ainda pelo PT, em 2002 com 47.912 votos, o mais votado do estado naquela ocasião.

Ricardo Coutinho não é oriundo das elites e das famílias tradicionais da política local. Sua construção como quadro político esteve diretamente atrelada à organização, consolidação e crescimento do PT e da CUT na Paraíba. Sem o PT não estariam dadas as condições objetivas para o surgimento de Ricardo Coutinho como liderança política. Este fenômeno, obviamente, não se restringe à Paraíba. Em todo o país, se não fossem o PT e a CUT, diversos trabalhadores e trabalhadoras, das mais diversas atividades, não teriam alcançado a condição de quadros eleitorais e/ou influentes nas gestões e nos debates públicos.

Primeira lição: Sem o PT não existiria Ricardo Coutinho como liderança política. Enquanto a classe dominante possui mecanismos para produzir seus nomes de forma quase instantânea, a classe trabalhadora precisa de um processo bem mais longo, com um partido forte, organizado, vinculado às suas bases. Esta primeira lição já anula qualquer argumento de débito do partido para com ele.

Após as eleições municipais de 2000, Ricardo Coutinho sofreu processo de expulsão por infidelidade partidária. Teria votado no candidato do PSTU, ao invés de Luiz Couto do PT. O processo de expulsão se deu no Diretório Municipal e foi referendado pelo Diretório Regional, mas, revertido pelo Diretório Nacional que optou pela suspensão de seus direitos partidários. Em 2003, Ricardo desfiliou-se do PT e ingressou no PSB. Em 2004, com Manoel Júnior (PMDB) na vice, venceu a disputa pela prefeitura de João Pessoa ainda no primeiro turno com 64,45% dos votos. Em 2008, já com apoio do PT, que ficou na oposição ao seu governo até 2007, Ricardo é reeleito com 78,85%, tendo como vice Luciano Agra, também do PSB.

Quando militante do PT, Ricardo colocava-se à esquerda nas fileiras do partido, seus mandatos parlamentares dialogavam os movimentos sociais e culturais. Em 2004 era ele o referencial de mudança. As suas gestões na prefeitura replicaram experiências do chamado Modo Petista de Governar, a exemplo do Orçamento Participativo que passou a ser chamar Orçamento Democrático em seu governo.

Porém, sem tirar os méritos de suas gestões, todas as intervenções mais relevantes de seu período a frente da prefeitura não teriam sido possíveis sem as parcerias com o governo Lula. As obras de habitação popular, com quase 6 mil moradias entregues, duplicação e alargamento de avenidas, construção das alças da Beira-Rio (uma das principais avenidas da cidade), ampliação e fortalecimento da rede municipal de educação por meio do FUNDEB e FNDE através da construção de CREIS, Projovem, Brasil Alfabetizado, Escola Aberta, Programa 2º Tempo, até a Estação Ciência, obra de Oscar Niemeyer e que se tornou cartão postal da cidade. Na saúde destacam-se a construção de Unidade de Pronto Atendimento (UPA), rede ampliada nas gestões posteriores, e a entrega de 14 Unidades de Saúde da Família, entre diversas outras políticas públicas.

Segunda lição: Ricardo Coutinho não teria acumulado capital político como gestor sem Lula presidente.  O sucesso das gestões do PSB em João Pessoa se deu em relação direta com a agenda de investimentos dos governos do presidente Lula. E esta segunda lição também anula qualquer argumento de débito do partido para com ele. Basta imaginar quais seriam as viabilidades das medidas de gestão que o projetaram com a dupla Bolsonaro e Guedes em ação.

Importante frisar que, desde então, o PSB não teve mais êxito nas disputas eleitorais em João Pessoa. Tanto em 2012 como em 2016 não conseguiu sequer ir ao segundo turno.

Em 2010, Ricardo Coutinho deixa a prefeitura de João Pessoa para concorrer ao governo do estado. Para tanto, encerra a aliança com o então PMDB (que assumiu o governo da Paraíba em 2009 com José Maranhão, a partir da cassação de Cássio Cunha Lima/PSDB) e faz uma aliança ainda mais à direita, com o PSDB e o DEM. Ricardo venceu José Maranhão em segundo turno com 53,70% dos votos. Em 2014, foi reeleito também em segundo turno com 52,61% derrotando, desta vez, o tucano Cássio Cunha Lima, seu ex-aliado.

Já no governo do estado, Ricardo Coutinho iniciou o processo de terceirização da saúde, por meio de parceria com uma Organização Social. Houve ação contrária do Ministério Público do Trabalho que entendia que a terceirização se aproximava de uma privatização já que, não apenas os serviços, mas também a gestão da saúde ficaria a cargo de uma OS sem o devido controle social. Em seu segundo governo, este modelo foi estendido também para a educação.

Na relação com os servidores aplicou uma forte agenda de ajuste fiscal, chegando a suspender, via Medida Provisória e depois referendada pela Assembleia Legislativa, os reajustes salariais e progressões de carreira por tempo indeterminado de todos os servidores do Poder Executivo. O PT esteve formalmente na oposição ao governo Ricardo Coutinho até o segundo turno de 2014. Por sua vez, Ricardo também não buscou nenhuma aproximação, ao contrário. No primeiro turno de 2014 não perdia uma oportunidade de bater em Dilma e no PT.

Algo mudou a partir do segundo turno de 2014. Ricardo Coutinho, indiscutivelmente, assume uma posição mais ideológica e passa a apontar na Paraíba os representantes da política de Aécio e Temer. Assim, politizando e polarizando a agenda política local, Ricardo não teve nenhum ônus com os posicionamentos que tomou a partir de então. Ao contrário, considerando o perfil do eleitorado da Paraíba, teve um cenário favorável para sua estratégia de enfrentamento com forças de direitas, que já tinham sido suas aliadas num passado recente.

As vitoriosas votações obtidas por Dilma Rousseff em 2010 e 2014 e por  Fernando Haddad em 2018 têm relação com a força política do presidente Lula, não apenas no estado como em toda a Região. Então, é preciso dizer em português castiço: Ricardo não teve nenhum ônus ao defender os governos petistas quando assim o fez. Mas, também é possível dizer que o PT não teve nenhum bônus. Dos 12 deputados federais da Paraíba, apenas três votaram contra o golpe: um do PT, um do PDT e um do PR, e não o fizeram por conta de Ricardo. Ao mesmo tempo, Ricardo não reverteu nenhum dos votos de seus aliados de direita (a exemplo do PTB e DEM) a favor da democracia.

Depois de ter êxito na eleição de João Azevedo em 2018, em primeiro turno com 58,19%, Ricardo Coutinho rompe com seu sucessor. O governo João Azevedo migrou para o Cidadania levou com ele mais 22 prefeitos, desidratando o tamanho do PSB, que ainda manteve duas parlamentares na Assembleia Legislativa. Hoje, o partido não tem nenhum vereador na capital e será a primeira eleição majoritária nos últimos 16 anos que disputará sem aliança com uma força política tradicional ou a partir da máquina governamental.

Terceira lição: não se deve terceirizar para aliados as suas próprias tarefas políticas. O presidente nacional do PSB Carlos Siqueira, rejeitou publicamente o apoio do PT em João Pessoa, fruto desta intervenção e, ao descartou a aliança com o partido em 2022. Em última instância, quem defenderá o PT são os petistas. Ao desmantelar de forma abrupta um processo inédito e politizado de construção de unidade partidária, a maioria da Direção Nacional condenará o PT a ser um coadjuvante nos projetos políticos de uma liderança local.

Duas das mais influentes lideranças políticas do estado, Ricardo Coutinho (PSB) e Luciano Cartaxo (PV) são oriundas do PT. Luciano encontra dificuldade de fazer sua sucessora e Ricardo está em processo de fragilidade política. O PT sobreviveu e sobrevirá sem eles porque não pertence a uma pessoa ou a um grupo de dirigentes, o PT pertence à organização política da classe trabalhadora e sua militância está pronta para luta em anos ímpares ou anos pares.

Com unidade partidária e firmeza política, a pré-candidatura do deputado estadual Anísio Maia está mantida e lutará para ir às urnas. Fato, porém, é que independente do resultado, aqueles que apostaram nas fragilidades do PT sairão menores. A trajetória de Ricardo Coutinho prova que não temos lideranças fortes sem partidos fortes e que partidos são fortes antes pela força social que possuem do que pelos espaços institucionais que ocupam. Erra quem subestima o petismo e os petistas.

Em tempo: O PT de João Pessoa procurou o PSB desde o final de 2019, sem respostas. O opção pelo PT se deu quando todas as demais portas foram fechadas. Se de fato, houvesse preocupação com o fortalecimento e unidade da esquerda para enfrentamento do bolsonarismo, a proposta de aliança com o PT teria sido apresentada ao partido na cidade e não haveria motivos para ser recusada.

O histórico de Ricardo Coutinho com o PT e seu arco de alianças na Paraíba permitem afirmar que, em dispondo de outros partidos aliados neste momento, a relação conosco teria sido distanciamento, semelhante a que se verificou em 2012 e em 2016. Em 2012 o PSB compôs chapa com o DEM e em 2016, com o PTB.

Todavia, Ricardo Coutinho deixa uma lição para Direção Nacional do PT. Quem não disputa não cresce. O capital político que ele ora usa para demandar a intervenção em João Pessoa foi acumulado ao tomar posição. No entanto, sem desconsiderar a postura correta e corajosa de Ricardo Coutinho frente ao golpe, podemos questionar se haveria outra postura a se esperar de alguém com uma trajetória democrática.

Finalmente, seguindo esta mesma linha de pensamento que a maioria do Diretório Nacional quer impor ao PT de João Pessoa, cabe perguntar: que tal o senador Roberto Requião decidir os destinos do Diretório Municipal de Curitiba?

(*) David Soares de Souza  é sociólogo e militante do PT

 

 

 

 

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