30 anos do manifesto “A hora da verdade”

Por Página 13 (*)

A tendência petista Articulação de Esquerda completa 30 anos em 18 e 19 de setembro deste ano. Há três décadas, nesta data, militantes petistas reunidos em um seminário nacional, no Instituto Cajamar (SP), aprovaram um manifesto que deu origem à Articulação de Esquerda.  O documento era intitulado  “À militância do Partido dos Trabalhadores” e assinado da seguinte forma: “Seminário Nacional da Articulação de Esquerda”. A versão final ficou a cargo de Rogério Sottili, Waldemir Garreta e Valter Pomar.

No entanto, antes de aprovar esta certidão de nascimento, os futuros integrantes da Articulação de Esquerda tinham se agrupado ao redor de um texto intitulado oficialmente Manifesto aos petistas, mas que era mais conhecido como “manifesto A hora da Verdade” ou simplesmente “HV”, cuja versão inicial foi redigida por Rui Falcão.

O manifesto foi lançado em 04 de fevereiro de 1993. Cristalizou um processo de cisão que já vinha ocorrendo, desde 1990, no interior da Articulação dos 113, tendência criada em 1983 e que hegemonizou o Partido dos Trabalhadores por uma década. Entre fevereiro e agosto de 1993, ocorreram encontros municipais, estaduais e o 8º encontro nacional do PT.

Em 2020, publicamos o livreto “A Hora da Verdade e outros escritos” ( aqui ), que traz os documentos citados acima e outros do contexto da fundação da Articulação de Esquerda. Abaixo reproduzimos a apresentação da publicação (com pequenas atualizações), assinada por Valter Pomar .

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APRESENTAÇÃO

No período 1980-1989, de luta contra a ditadura militar e contra a “transição conservadora para a democracia”, o PT foi hegemonizado por uma tendência denominada Articulação, originalmente denominada Articulação dos 113 (devido a um documento com este número de assinaturas).

No período seguinte (1990-2002), de oposição aos governos neoliberais, há um realinhamento das tendências petistas. Como parte deste realinhamento, ocorre uma cisão na Articulação, surgindo a “Unidade na Luta” e a “Articulação de Esquerda”.

A Articulação de Esquerda foi fundada oficialmente nos dias 18 e 19 de setembro de 1993. Portanto, em 2023 comemoramos 30 anos de vida. Contribuíram para a criação da Articulação de Esquerda:

1) os debates realizados no interior do PT, especialmente no período entre 1990 e 1993, quando se constituíram, em âmbito nacional, inclusive dentro da Articulação dos 113, dois grandes blocos dentro do Partido (os “moderados” e os “radicais”);

2) os debates ocorridos durante o 8º Encontro do PT (agosto de 1993), tanto nos encontros estaduais quanto no encontro nacional. Um marco destes debates foi o lançamento do Manifesto “A hora da verdade”, no dia 4 de fevereiro de 1993.

A Articulação de Esquerda surgiu com o propósito assumido de combater a domesticação do PT, ou seja, tentar impedir que a existência de uma nova situação histórica –marcada pela crise do socialismo, pela hegemonia neoliberal e pela transformação do PT em alternativa presidencial– levasse a maioria do Partido a abandonar o núcleo fundamental das formulações originais do petismo: partido da classe trabalhadora, com ampla democracia
interna, com uma estrutura de massas e de quadros, dotado de uma estratégia democrático-popular e socialista, combinando luta social e disputa eleitoral.

De 1990 até 1993, a cúpula da Articulação dos 113 decide “girar para a direita”. Tem como aliado dois setores provenientes da antiga esquerda petista: a Nova Esquerda (ex-Partido Revolucionário Comunista) e setores da antiga Vertente Socialista (ex-Poder Popular e Socialismo). Este “giro para a direita” se materializa numa oposição inicial ao Fora Collor, numa tentativa de restringir o Fora Collor a temas éticos, num apoio de fato ao governo Itamar e na defesa do parlamentarismo. Estas posições são derrotadas amplamente na base do Partido. O exemplo maior
disso foi o plebiscito sobre sistema de governo: 70% da direção defendia o parlamentarismo, 70% da base votou pelo presidencialismo. Internamente, o “giro para a direita” se traduz na tentativa de compor um “campo” para dirigir o Partido, unindo a Articulação com outros setores. Isto fica evidente durante o Primeiro Congresso do PT, quando a Articulação se divide publicamente em diversas votações, uma das quais é simbólica: a legitimidade da violência revolucionária.

Como reação ao giro à direita da cúpula da Articulação dos 113, um setor daquela tendência constitui a “esquerda da Articulação”, que se agrupa ao redor de um texto conhecido como “Manifesto A hora da verdade”. Por causa do nome do Manifesto, em muitos estados fomos durante certo tempo conhecidos como “HV”, mesmo depois da criação formal da AE, em setembro de 1993.

No 8º Encontro Nacional (agosto de 1993), em aliança com a DS e outros setores, a esquerda da Articulação lança a chapa “Opção de Esquerda”. Esta chapa, mais a chapa “Na luta PT”, tem maioria absoluta no Diretório Nacional. Lula é eleito presidente nacional do PT, por fora das chapas. Rui Falcão, então principal dirigente do que logo mais seria chamado de AE, é eleito vice-presidente nacional e assumirá a presidência no 9º Encontro Nacional do PT, em 1994, quando Lula se licencia para ser candidato à Presidência da República.

A maioria de esquerda existente no Diretório Nacional do PT consegue impedir que a bancada do Partido na Câmara dos Deputados embarque na revisão constitucional ampla proposta pelos partidos de direita. Mas, ao mesmo tempo, tem muitas dificuldades e apresenta enormes contradições na condução da campanha presidencial de 1994. Na verdade, a imensa maioria do PT foi surpreendida pelo Plano Real e pela força da candidatura FHC. Mas, no momento do balanço, a fatura pela derrota foi cobrada da maioria de esquerda.

No encontro nacional do PT realizado em Guarapari, confrontam-se duas chapas. Uma, denominada Socialismo ou Barbárie, reúne a antiga maioria de esquerda (Opção de Esquerda e Na luta PT). A outra chapa, encabeçada por José Dirceu e apoiada por Lula, expressa as posições da direita da Articulação e de seus aliados. A tese apresentada pelos “moderados” ganha por apenas 2 votos de vantagem. Dirceu e sua chapa também são vitoriosos, mas por pequena margem: 16 votos. E mesmo esta pequena diferença só foi possível porque Dirceu recebe o apoio de setores e dirigentes que até então participavam da Articulação de Esquerda, tais como Rui Falcão, Cândido Vaccarezza , Sílvio
Pereira e outros.

A maioria do Diretório Nacional eleito no Encontro de Guarapari (ES) elege Cândido Vaccarezza, ex-militante da AE, como secretário-geral do Partido. Em protesto contra este desrespeito à proporcionalidade, os 49% minoritários retiram-se durante várias semanas da composição da executiva. Paradoxalmente, este gesto de protesto deixa o campo livre para que a nova maioria moderada se instale livremente e estabeleça seu controle sobre a direção partidária, abrindo um período de hegemonia que vai se estender até 2005.

Portanto, a partir de 1995 se instalou no partido uma maioria em torno de uma política que podemos sintetizar assim: “alianças da esquerda com o centro, em torno de um programa alternativo ao neoliberalismo, visando conquistar o governo federal”.

Os três documentos reunidos nesta coletânea foram escritos quando a história parecia seguir outro rumo. Mesmo assim, ou por isso mesmo, valem a leitura.

Valter Pomar


(*) redacao@pagina13.org.br

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