O papel das ruas (e da personalidade) na política

Por Valter Pomar (*)

Durante o carnaval de 2024, o grande fato político foi a operação policial e judicial contra a cúpula do golpe. Os golpistas reagiram e, no dia 25 de fevereiro de 2024, realizaram uma demonstração de força, voltada a pedir anistia.

A anistia favoreceria, antes de mais nada, o cavernícola e os fardados que estiveram no centro da operação golpista. Na prática, possibilitaria ao cavernícola disputar pessoalmente as eleições de 2026.

Importante dizer que, neste caso, seria uma anistia-sem-julgamento-nem-condenação-prévia. Ou seja: seria como na auto-anistia que os militares se concederam no final da (mais recente) ditadura, quando torturadores, assassinos e ocultadores de cadáveres, bem como seus mandantes, não foram julgados, não foram condenados, mas já foram anistiados preventivamente.

A anistia pode resultar de uma ação no Congresso, onde as forças de direita e extrema-direita têm maioria. Nesse sentido, trata-se de uma oferta de “pacificação”, oferta dirigida pela extrema-direita em direção ao centrão e à direita gourmet.

É por isso, aliás, que o cavernícola, em seu discurso, insistiu em duas teses: a) golpe exigiria tropas na rua; b) golpe avalizado pelo parlamento, não seria golpe. Estas duas teses são, exatamente, as que a direita gourmet utiliza para argumentar que, em 2016, não teria havido golpe, apenas impeachment.

No fundo, o cavernícola está dizendo que seria prudente, para os que “viraram a página do golpe” de 2016 (impeachment) e de 2018 (prisão e interdição de Lula), também virar a página da intentona golpista de 2023.

Se depender da história deste país, a proposta de anistia tem tudo para ganhar adeptos na direita gourmet. Afinal, a história deste país é a história dos acordos pelo alto, do pacto das elites, da conciliação por cima.

Assim, se a esquerda quiser impedir que a extrema-direita “passe uma borracha” no passado (e, fazendo assim, poder continuar descendo a borracha no lombo do povo), é fundamental não depender das instituições. O STF e o Congresso já demonstram diversas vezes, inclusive nos últimos anos, seu compromisso com o “estado democrático de direita”.

Portanto, se a esquerda quiser impedir que a extrema-direita seja anistiada, que o cavernícola recupere a elegibilidade, é preciso contrabalançar a pressão golpista. E isso se faz de várias maneiras, mas principalmente ocupando as ruas e demonstrando que a extrema-direita não é a única capaz de mobilizar centenas de milhares de pessoas em defesa de suas teses.

Há quem considere mobilização algo desnecessário, pois o julgamento e condenação caberiam ao STF. Os que pensam assim, saibam que estão – pela inação – ajudando a extrema-direita a conquistar a anistia, seja via amolecimento do Supremo, seja via decisão do Congresso.

Há quem considere mobilização algo perigoso, entre outros motivos porque faz tempo que a esquerda não demonstra capacidade de encher as ruas; e um ato fraco seria pior do que ato nenhum. Os que pensam assim deveriam então admitir que estão aceitando, como uma fatalidade, que a extrema-direita chegou para ficar e voltará ao governo, em prazo mais ou menos curto de tempo. Ademais, deveriam lembrar que na comemoração da vitória de Lula, as ruas ficaram infinitamente mais cheias do que no dia 25 de fevereiro.

E aí chegamos no papel da personalidade na história. Lula, em 2022, construiu uma frente ampla com base no argumento de que é necessário defender a democracia. Em 2023, teve início um governo auto-denominado de “união e reconstrução”. Pois bem: não haverá democracia, não haverá união, não haverá reconstrução, ao menos com algum sentido popular, se a extrema-direita continuar colocando uma faca na garganta do país. E a manifestação do dia 25 de fevereiro de 2024 foi exatamente isso: uma faca na garganta.

Assim, para dar consequência à “defesa da democracia”, cabe a Lula apoiar, ajudar a convocar e estar presente no ato nacional que as frentes convocaram para o dia 23 de março de 2024.

Isto basta? Não basta. É preciso, também, uma inflexão à esquerda na política do governo. Mas até para que isso seja possível, é preciso barrar a ofensiva da extrema-direita. Por isso, toda força para as mobilizações de março.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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